segunda-feira, 5 de maio de 2008

Quando abaixei a máquina


Seguindo a idéia do post anterior, gostaria de contar a experiência de quando cobri a notícia acima, ainda como estagiário de Fotografia do O Povo. Nada mais normal em um jornal de cunho popular que retrata principalmente assuntos policiais, uma notícia sobre assasinato, neste caso foram dois policiais, um civil e outro militar no bairro da Penha. Ao chegar, havia uma multidão em torno do carro onde ainda estavam os corpos, achei impressionante como as pessoas faziam questão de ver os despojos de um crime, ainda mais com tanta frieza, a qual não condeno, pois até esse momento também tive esse sentimento. Então ficamos algumas horas nós os fotógrafos trabalhando, quando comecei a me sentir um pouco que com direito sobre a situação, aliado ao fato que as pessoas respeitavam ao máximo nossa atuação, abriam caminho, saiam da frente, era senso comum que a visão dos corpos era preferência nossa. Em contrapartida de que os policiais não nos distinguiam dos transeuntes pelo local, chamando a atenção da mesma forma, com certeza, pensavam que era o trabalho deles era o mais importante, mas a questão Justiça X Informação não vem ao caso.
Quando a perícia chegou e retirou os corpos foi quando baixei os olhos, como se tivesse esquecido para que estava ali, talvez tenha sido uma atitude de respeito, mas continuei. Mas o que não esperei foi quando a irmã de um dos policiais chegou ao local aos gritos, na mesma hora, abaixei a máquina, ela passou pelas pessoas e pelos fotógrafos, olhou para a gente e fez algum sinal de que não queria ser fotografada, nesse momento minha câmera já estava em meu ombro e desligada. Foram mais uns 30min, apenas observando a cena e percebi que o problema do fotojornalista não é o perigo e nem o preconceito, mas termos de ver o que outros não precisam, lidar com o sentimento, de forma que ele pode favorecer o trabalho mas as vezes pode nos machucar.
E o que sobra? Uma foto que será esquecida, quardada em um arquivo da mesma forma que o caso será arquivado, mas não acredito ser isso um exercício de inutilidade, as vezes a memória persiste pois é parte de uma continuidade, enquanto para mim é um aprendizado.

"Abaixando a Máquina: ética e dor no fotojornalismo carioca"


Esse filme, dirigido por Guillermo Planel e Sergio Pugliese, retrata a atuação dos fotojornalistas na cidade no Rio de Janeiro e levanta questões éticas acerca de como registrar fatos de forte e doloroso conteúdo emocional e sobre quando optar em fazer o clique ou abaixar a máquina. Além disso, o documentário levanta discusões sobre o fotojornalismo contemporâneo, o direito do fotógrafo sobre a imagem das pessoas fotografadas, sua relação com a ideologia da empresa para qual trabalha, o perigo ao registrar conflitos urbanos, como acontece seu envolvimento emocional com o que presencia e a imparcialidade do olhar.

O documentário ainda conta com depoimentos de grandes nomes da fotografia do Rio de Janeiro, como Alex Ferro, Alexandre Brum, Ana Branco, Berg Silva, Carlo Wrede, Custódio Coimbra, Daniel Ramalho, Domingos Peixoto, Estefan Radovicz, Evandro Teixeira, Flavio Damm, Gabriel de Paiva, Guilherme Pinto, Ignácio Ferreira, Ivo Gonzalez, João Laet, Luis Alvarenga, Luiz Morier, Marcelo Carnaval, Márcia Foletto, Marcos Tristão, Michel Filho, Orlando Abrunhosa, Severino Silva, Uanderson Fernandes, Wania Corredo e Wilton Jr.

Assisti esse filme, seguido de uma mesa redonta com alguns dos fotógrafos que participaram dele, achei o filme muito bom e bastante original por tratar desse tema sob a perpectiva do obeservador, pois poucas pessoas devem refletir sobre como as fotos que chegam a elas todas as manhas são obtidas e todo o trabalho que isso envolve. Contudo, posso duvidar sobre a amplitude que o filme vai ter na sociedade, ele tem sido exibido, majoritariamente, para um público de estudantes e profissionais de comunicação, que têm nesse tema um interesse em comum, é lamentável que o público em geral não tenha a oportunidade de ver esse documentário, o que poderia acabar com certo preconceito e estranheza que existe contra esses "ciclopes". Contudo, a idéia do diretor de tentar exibir o filme em certas comunidades foi animador, pois essas têm para com esses profissionais uma visão estigmatizada. Isso se explica facilmente porque os fotográfos só vão nas comunidades para denunciar suas mazelas e a criminalidade, enquanto o que de positivo vem acontecendo fica fora das páginas de jornais.

Sobre o perigo da profissão, alguns depoimentos foram bastante claros, como "Nós gostamos de aventura", "Os fotojornalistas são meio psicóticos" ou "Quando está todo mundo descendo, estamos subindo", é verdade que os fotógrafos ficam na linha de frente quando retratam os confrontos nas favelas, buscando sempre a melhor imagem, substraindo de sí, um instinto de sobrevivência, mas também não dúvido que essa prática possa ser tão animadora quanto estressante, pois no meio de um confito podemos nos esquecer do todo, se concordamos ou não, e a violència e a ação criam uma catarze nessas pessoas, onde o instinto profissional é movido pela emoção pessoal. Contudo, nenhum fotógrafo foi morto ou ferido em ação durante o ano em que o filme foi feito (2007), então não concordo que a profissão seja perigosa, talvez, arriscada, mas não mais do que tantas outras.

Sobre a questão do direito do fotógrafo em retratar alguem em sofrimento ou situação constrangedora, essa foto de Marcos Tristão, do O Globo é bem significativa.


Ela retrata, simplesmente, uma mãe sofrendo pela morte do filho, ou seja, nada de extraordinário, apesar de sempre lamentável, mas o que choca não é o fato e sim a imagem, que foi "roubada" da cena. A foto foi muito elogiada e criticada, mas o que ela significa? Durante a mesa redonda após o filme, alguem pergunta "Vocês sabem onde essa mulher esta hoje em dia?", e em uma resposta bastante contundente de Roberto Quintaes, professor de fotojornalismo da PUC, ele diz: "Não importa, isso é fato passado", ele quer dizer que não podemos nos ater a fatos que dentro de um todo são insignificantes, a foto fala por sí só e por um todo, ela diz ISSO ACONTECEU, ISSO ACONTECE, ISSO VAI ACONTECER DE NOVO, A NÃO SER QUE...

O Fotojornalismo denúncia, é um texto eloqüente, que se usado de forma ética e responsável, mas também corajosa e arrojada pode nos fazer sentir e pensar.